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Senhores que
compram rios

Bernardo Caal Xol Guatemala
Rio Cahabón. Foto: Adobe Stock
Publicado em 15 junho de 2021 ​

Na Guatemala não apenas é possível comprar um rio: defendê-lo pode custar um longo tempo na cadeia. Isso é o que o líder comunitário Bernardo Caal Xol está sofrendo. Nestas linhas, seu caso e as cartas com as quais tenta se defender, difundir a notícia como as águas que – aprisionadas ou não – jamais ficam quietas.

Bernardo Caal Xol está preso por defender o rio sagrado da sua comunidade. Indígena maia q’eqchi’, líder comunitário e professor, esteve à frente da resistência das comunidades de Santa Maria Cahabón desde 2015 contra a construção da hidroelétrica OXEC sobre os rios Oxec e Cahabón. Um megaprojeto que é um negócio de Florentino Pérez, poderoso empresário espanhol e presidente do clube de futebol Real Madrid.

A organização comunitária e Bernardo incomodavam tanto o empresário espanhol quanto os interesses transnacionais. Por isso, no dia 15 de outubro de 2015 Bernardo foi acusado de supostos atos de violência contra funcionários da NETZONE S.A., contratada da OXEC. 

Três anos depois, no dia 9 de novembro de 2018, Bernardo foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão em um processo “que demonstra os mesmos padrões de criminalização contra defensores dos direitos humanos que temos documentado há anos no país”, disse Erika Guevara Rosas, diretora regional da Anistia Internacional.

Organizações não governamentais afirmam sem vacilar: Bernardo Caal Xol é um preso político.

A Justiça da Guatemala não escuta, protela as audiências.

Os poderosos de seu país garantem a impunidade.

Bernardo Caal Xol continua preso. Roubaram mais de 1.200 dias da sua vida enquanto a empresa estrangeira explora os rios sagrados de Alta Verapaz como se fossem seus.

Mas Bernardo, professor, pai e líder maia q’eqchi, ainda tem palavras. Da cadeia escreveu uma carta para este especial do Bocado. De punho e letra pula por cima de muros de silêncio, semeia esperança.

Bernardo Caal durante manifestação das comunidades Q'eqchi na capital em 2017, em repúdio às usinas hidrelétricas OXEC. Foto: Nelton Rivera / Prensa Comunitaria Km. 169​

Guatemala, 24.04.2021

Sou Bernardo Caal Xol, da nação Maia Q’eqchi, Guatemala, de 49 anos de idade. Nasci nas montanhas do município de Cahabon, nasci ali porque meus avôs e avós estavam fugindo da escravidão a que eram submetidos os indígenas nas fazendas de café dos proprietários estrangeiros que tinham se apropriado das terras do território Q’eqchi’. Da montanha ao centro urbano, meus pais me trouxeram para estudar o primário, então comecei a falar espanhol, estudei o nível básico, depois fui para a capital do departamento de Cobán para estudar para ser professor. No ano de 1995 voltei para a minha comunidade para trabalhar como professor com contrato com o Estado da Guatemala.

No ano de 2015, junto com as comunidades, começamos a denunciar a presença de empresas hidrelétricas que começavam a entubar o Rio Ox-eek’ e o Rio Cahabon. 

No ano de 2016, visitamos todas as instâncias do governo para fazer nossas denúncias.

No ano de 2017 as hidrelétricas Oxec S.A. que funcionam na região do município de Cahabon Alta Verapaz foram suspensas pelos máximos órgãos de justiça da Guatemala. Ao mesmo tempo se iniciava a perseguição, difamação e calúnia contra mim em diferentes meios de comunicação, ocasionando um descrédito total da minha pessoa. No mesmo ano foram emitidas ordens de prisão por parte do juiz em Coban Alta Verapaz.

Ao mesmo tempo se iniciava a perseguição, difamação e calúnia contra mim em diferentes meios de comunicação, ocasionando um descrédito total da minha pessoa. No mesmo ano foram emitidas ordens de prisão por parte do juiz em Coban Alta Verapaz.​

No dia 30 de janeiro de 2018 me apresentei a uma das audiências judiciais, ali fui preso, estou atualmente encarcerado. As hidrelétricas Oxec S.A., através da empresa subcontratada Netzone, me acusam de roubo agravado e cárcere privado. Todas as testemunhas contra mim são funcionários das hidrelétricas Oxec S.A. Estou há três anos e três meses encarcerado, o processo ainda não foi finalizado porque a Justiça usa táticas protelatórias com a finalidade de me manter na prisão.

A nação Q’eqchi continua lutando e resistindo pelo Rio Cahabon e pelo Rio Ox-eek’.

O Rio Cahabon é um rio Sagrado para o meu povo. O Popol Vuh, o livro sagrado dos Maias, conta que esse é o cenário de Hunahpú e Ixbalanqué, os gêmeos da mitologia do nosso Livro.

Sobre o Rio Cahabon contruiram várias hidrelétricas, desviando seu leito, entubando-o por vários quilômetros, aproximadamente 50 quilômetros. Nestes cinquenta quilômetros as famílias Q’eqchi’s não têm acesso à água. A maioria destas hidrelétricas foram construídas pela empresa Cobra de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid da Espanha.

Os máximos órgãos da Justiça na Guatemala reconheceram que não houve consultas prévias, mas ordenaram que as empresas continuassem operando sobre o rio.

A luta continua!