Debate sobre ultraprocessados mistura ciência e interesses privados

A América Latina é o berço da classificação que mudou o olhar dos cientistas ao separar os alimentos pelo grau de processamento. Ao mesmo tempo, transformou-se no palco de uma disputa pelo significado da expressão “ultraprocessados”

Por João Peres

02/12/2021

Categorized as Reportagens

Em 12 de julho de 2021, às 18h49, Marion Nestle recebeu um email. Era uma pesquisadora europeia, indignada com a newsletter enviada no dia anterior. No blogue Food Politics, que atualiza quase diariamente, a professora emérita da Universidade de Nova York havia compilado uma série de evidências científicas sobre a classificação NOVA, criada em 2009 pelo professor brasileiro Carlos Augusto Monteiro. 

“Com todo o respeito, você está errada. A maioria dos cientistas da alimentação descartou a definição do pediatra brasileiro por sua imprecisão, ambiguidade e populismo”, disse a pesquisadora, falando em nome do Centro Europeu de Direitos Constitucionais. Em tempo: Monteiro é um epidemiologista, e não um pediatra, mas esse é o menor dos problemas. “Estou muito decepcionada que uma personalidade eminente do setor alimentar como você não tenha analisado e rejeitado uma definição que, por exemplo, associa a nocividade ao número de ingredientes, etc. etc.”

Abaixo da mensagem irritada, a pesquisadora listava três artigos que, em sua opinião, colocavam por terra a teoria de Monteiro. Para azar dela, Marion Nestle é não apenas uma das principais pesquisadoras do mundo da alimentação e da nutrição, como uma especialista em conflitos de interesses. A professora emérita, com o olhar treinado pelas seis décadas de carreira, não teria demorado muito tempo em encontrar as falhas em cada um dos artigos. A começar pelas mais óbvias, os financiamentos de grandes corporações:

Marion respondeu brevemente: “No meu ponto de vista, o conceito de ultraprocessado é o mais importante avanço recente na nutrição, especialmente porque é apoiado por um grande número de pesquisas que não são apenas observacionais, mas também incluem um ensaio clínico bem desenhado e bem controlado. Essa pesquisa sugere fortemente que evitar ou minimizar alimentos ultraprocessados ajudaria as pessoas a reduzir a ingestão de calorias e melhorar sua saúde.” 

Mas, se ela quisesse, haveria muito mais por revelar. Sempre há, quando se trata da classificação NOVA, que especialmente nos últimos anos mobilizou uma enorme energia de seus críticos na tentativa de desacreditá-la. O caso é tão completo e tão complexo que preenche quase toda a cartela do bingo do conflito de interesses.

Cartela de bingo do conflito de interesses. Adaptado de Uma verdade indigesta, livro de Marion Nestle

Porém, para entender por que a classificação NOVA tem demandado tanta energia, é preciso entender o que é e como se tornou tão relevante. Esse já é um dos maiores palcos de disputa científica da atualidade. Uma briga que envolve salários, globalização, negacionismo e entraves ideológicos. 

Por que no Brasil?

Os índices globais de doenças crônicas não transmissíveis explodiram nas últimas décadas. Diabetes, câncer e doenças cardiovasculares passaram a representar a maior parte das mortes nos chamados “países emergentes”. E, então, a comunidade científica passou a se perguntar: o que deu errado? O “estilo de vida ocidental”, também conhecido como american way of life, passou a ser uma explicação genérica e confortável. As pessoas haviam se tornado preguiçosas, glutonas, descontroladas. 

Mas, olhando os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do Brasil, Monteiro notou que o consumo de sal, açúcar e gorduras estava avançando. E começou a ver que alguns alimentos industrializados poderiam ser os responsáveis. Foi então que nasceu a necessidade de categorizá-los, separando aquilo que sempre foi consumido pela humanidade e aquilo que passou a ser consumido em massa nas últimas décadas. 

Com isso, Monteiro fez o que a indústria de alimentos não gosta que façam: minou a máxima de que não existem alimentos bons ou ruins. E que tudo, absolutamente tudo pode e deve ser parte de uma alimentação saudável. A princípio, foi seu próprio grupo, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), que passou a estudar o assunto, e depois a questão foi se espalhando pela América Latina.

Em 2014, pela primeira vez, uma diretriz oficial incorporou o conceito de ultraprocessados. O Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde, recomenda expressamente evitar esses produtos. 

Reprodução: Guia Alimentar para a População Brasileira

Isso representou um salto de clareza em comparação com as diretrizes dos Estados Unidos, por exemplo, que expressam recomendações com base em nutrientes, algo difícil de transformar em uma conduta alimentar. 

1. Siga um padrão de dieta saudável em todas as fases da vida.

2. Personalize e aproveite as opções de alimentos e bebidas densas em nutrientes para refletir preferências pessoais, tradições culturais e considerações orçamentárias.

3. Concentre-se em atender às necessidades de grupos alimentares com alimentos e bebidas ricos em nutrientes, e fique dentro dos limites de calorias.

4. Limitar alimentos e bebidas com alto teor de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio, e limitar as bebidas alcoólicas.

E, então, a NOVA passou a ser estudada, rompendo a difícil barreira que pesquisadores do Sul enfrentam para que uma teoria seja aceita na Europa e nos Estados Unidos. Estudos de coorte, que acompanham uma grande amostra populacional durante um período longo de tempo, se interessaram por avaliar a alimentação das pessoas a partir do processamento de alimentos. E os resultados foram pior do que o imaginado.

O Guia Alimentar do Uruguai foi o passo seguinte. Com um modelo muito semelhante ao brasileiro, recomenda que a população evite ultraprocessados. O governo desse país foi além, e passou a pensar em políticas públicas voltadas a essa missão. Uma das consequências é a adoção de um sistema de rotulagem que seja eficaz em comunicar à população a necessidade de reduzir o consumo de nutrientes críticos. E foi assim que o sistema de advertências criado e implementado no Chile em 2016 passou a fazer sentido para outros países, como Uruguai, Peru e México.

Para ajudar os países a aplicar o sistema de advertências, a Organização Panamericana de Saúde (Opas) criou um perfil de nutrientes, ou seja, definiu os parâmetros que os governos poderiam utilizar para estabelecer se um produto é “Alto em” sal, açúcar e gorduras. E ainda sugeriu um alerta para o uso de adoçantes, já prevendo a substituição massiva dos açúcares por esses produtos. 

Em 2019, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicou uma compilação dessas evidências científicas. Um passo simbólico importante no avanço geopolítico da NOVA. O único porém é que rapidamente as evidências envelheceram: vários outros estudos saíram nesse curto período, demonstrando que a NOVA passou a ser de fato um tema relevante para tentar entender como entramos nessa e, principalmente, como sairemos. A base de artigos PubMed expõe como o interesse tem aumentado ano a ano.

Artigos científicos utilizando a expressão ‘ultraprocessados’] Reproducción: Diet id Webinar NOVA FOOD System

Desacreditar a classificação NOVA, portanto, passou a ser uma questão central para a indústria de ultraprocessados. É a própria essência dela que está em jogo. E é também por isso que os engenheiros de alimentos se transformaram nos maiores críticos da NOVA. Essa categoria profissional é antiga, mas cresceu pra valer com base na ideia de que todos os alimentos poderiam ser formulados e reformulados a partir do zero, usando apenas ingredientes básicos, como farinhas e óleos, somados a aditivos. 

Uma discussão aditivada

Nós poderíamos listar dezenas de entrevistas e eventos promovidos com a finalidade de atacar a classificação NOVA, mas a verdade é que o resultado seria extremamente monótono. As pessoas-chave nesse processo são meia dúzia. Os argumentos são sempre os mesmos. São como os ultraprocessados: nas prateleiras, parecem de uma diversidade incrível, mas afinal são apenas uma mistura de ingredientes básicos e aditivos. 

O mais interessante da história não são as ideias, mas as razões. Com viagens pela Argentina, Chile, Colômbia, México, Panamá, Peru, Susana Socolovsky se consolidou como uma espécie de pop star antiNOVA. A presidente da Associação Argentina de Engenheiros de Alimentos rodou o continente em cursos, debates e entrevistas, sempre voltadas a desacreditar a classificação brasileira e o sistema de rotulagem chileno. Não é a única, certamente, mas é uma das figuras proeminentes de uma campanha que custa caro. 

Susana: O Modelo da Opas não é baseado na ciência e é contrário ao Codex Alimentarius. O conceito da Opas de alimentos “ultraprocessados” não tem respaldo científico algum.

Para os engenheiros de alimentos, Monteiro cometeu uma espécie de invasão de terreno ao se valer de uma expressão muito conhecida na profissão deles. É assim que se sustenta a ideia de que não faz sentido falar em ultraprocessamento, porque não existem diferentes graus de processamento na tecnologia de alimentos.

Um dos artigos enviados a Marion Nestle oferece uma interpretação que vale a pena reproduzir: 

“Nós afirmamos que a definição do termo alimentos ‘ultraprocessados’ por Monteiro (2009) é um termo impróprio. É um erro infeliz que usa um termo existente e bem respeitado na ciência e tecnologia de alimentos (ou seja, processamento) que nunca teve implicações nutricionais para a classificação de alimentos”.

Esse é um ponto central da contenda. Os críticas da NOVA argumentam que o processamento de alimentos sempre existiu, o que é verdade, e que não há diferença entre uma conserva de legumes e um Doritos, o que é meio difícil de aceitar como verdade. 

As falas de Socolovsky são particularmente engenhosas. 

“As pessoas que insultam a comida pela maneira como ela foi feita esquecem que o estilo de vida mudou muito. Há cem anos as pessoas iam trabalhar a pé ou a cavalo, hoje vão de ônibus ou metrô, sem gastar as mesmas calorias de antes. A dona de casa hoje trabalha igual ou mais que o homem, quando há cem anos ela passava a manhã toda cozinhando. Essas pessoas não veem o filme inteiro: eles jogam a culpa na indústria de alimentos, que fez com que se alimentar seja mais fácil e barato e que cozinhar seja menos demorado, e empurram para ela um problema como a obesidade, que é multifatorial.”

Por vezes a discussão se dá com base em argumentos esdrúxulos, como no vídeo abaixo. No trecho destacado, Socolovsky defende que as advertências seriam um problema para turistas, que viajariam para outro país e não entenderiam a rotulagem do local.

Vídeo: La Nación

É verdade. As pessoas nunca lidam com diferenças culturais quando viajam de um lugar a outro. É por isso que, ao chegar a um país árabe, o viajante de uma nação latino-americana tem o direito de pedir que todas as mulheres tirem a burka. Na África, ninguém usa turbante, pra não chocar os turistas. E restaurantes voltados a viajantes estrangeiros, em qualquer lugar do globo, só servem macarrão instantâneo e salsicha: pras pessoas não viverem essa situação terrorífica de ter de entender a cultura alheia.

Retroalimentação

Vale a pena voltar a um dos artigos enviado a Marion Nestle. Porque resume bem os problemas que costumam aparecer na argumentação contrária à NOVA. 

  • O artigo foi escrito por cientistas que trabalham em centros de pesquisa responsáveis por desenvolver produtos para a indústria – esse é um traço em comum a vários outros trabalhos, eventos e entrevistas. 
  • Os autores falam que o nome ultraprocessado é impróprio, mas passam páginas distorcendo o conceito da NOVA. Eles listam exemplos e mais exemplos de como o processamento de alimentos é um conjunto de técnicas muito antigo utilizado para preservar e até melhorar o sabor. Não é disso que se trata: ninguém está defendendo acabar com o processamento de alimentos. Fica parecendo que estamos diante de ludistas enlouquecidos que querem quebrar as máquinas e mandar a humanidade para a era das cavernas.

Eu fiquei particularmente encantado com as páginas nas quais os autores listam artigos que fundamentariam a visão de que a NOVA é um erro. Vamos a eles.

O Guia Alimentar do Brasil é um dos maiores inimigos da indústria de ultraprocessados. Uma análise de risco feita por uma consultoria para a Coca-Cola Company o descreve como “punitivo” aos refrigerantes”. 

Antes mesmo do lançamento não faltaram esforços para evitar que o documento fosse publicado. Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde, nos contou como foi pressionado pelo então presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). 

“Ele me trouxe um caderninho. Uma publicação muito bonita. Era algo que, se eu abrisse a gaveta, não teria como confundir. Algo que realmente se destacava”, recorda Chioro. “Havia três pontos-chave, três questões das quais a indústria não abria mão. Uma delas era que não se publicasse em hipótese alguma o Guia Alimentar.”

Nos últimos anos, a narrativa da indústria se concentrou em ver de que maneira poderia se apropriar de algumas mensagens-chave do Guia, como a ideia de que as pessoas devem comer em companhia, e destruir o capítulo 2, que traz a recomendação de que sejam evitados ultraprocessados. Em 2020 aconteceu uma das ofensivas mais explícitas: o Ministério da Agricultura enviou um requerimento ao Ministério da Saúde cobrando a revogação completa do documento.

Nesse requerimento, não foi difícil encontrar, entre as parcas referências bibliográficas, os mesmos documentos utilizados pelos pesquisadores alinhados contra a NOVA. “Embora declare ser importante ampliar a autonomia, o Guia induz a população brasileira a uma limitação da autonomia das escolhas alimentares. Quando um documento oficial do governo brasileiro orienta ‘evite alimentos ultraprocessados’, está generalizando algo que é muito diversificado”, resume.

O Ministério da Agricultura chega a propor sua própria regra de ouro, bastante mais parecida com as confusas diretrizes alimentares dos Estados Unidos: “Harmonize uma combinação diversificada de porções moderadas de cada alimento escolhido para atender as necessidades nutricionais, manter o peso corporal recomendado e os indicadores de saúde adequados.”

Mélissa Mialon é uma pesquisadora importante no mapeamento de estratégias corporativas utilizadas por empresas de alimentos, álcool e cigarros. Hoje professora da Universidade de York, na Inglaterra, nos últimos anos ela mapeou os ataques à classificação NOVA. Num artigo de 2018 ela começa a listar quem são os protagonistas.

Na ocasião, ela encontrou 32 textos. Com 38 autores, dos quais 33 tinham conexão direta ou indireta com corporações de ultraprocessados. Em resumo, nós não estamos falando de um debate científico com dezenas de novos e bons argumentos, mas de um ciclo de retroalimentação de uns poucos cientistas, com argumentos repetidos e muitos laços corporativos. 

“Isso significa que, no total, nossas análises revelaram que 33 dos 38 indivíduos que criticaram a NOVA tinham relacionamento com a indústria de ultraprocessados”

Nos últimos anos, acompanhamos uma série de discussões sobre ultraprocessados. No Brasil, na Argentina, no México. E online. Fica claro haver uma estratégia bem alinhada de difusão dos argumentos criados por personagens centrais, como Socolovsky. Fico pensando como é a experiência de rodar o continente para falar sobre a teoria de um outro pesquisador, e não da sua.

Uma figura particularmente interessante, para mim, é Mike Gibney, pesquisador do Instituto de Alimentos e Saúde da Universidade de Dublin, na Irlanda. Em 2018 ele esteve no Brasil a convite do Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital), uma empresa pública criada nos anos 1970 a pedido da indústria e que é financiada pelos serviços prestados a essas empresas. A palestra a que eu assisti não aconteceu no ambiente acadêmico, mas na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Como toda regra geral, a classificação NOVA tem lacunas. Há comidas que devem ser consumidas com cautela, mesmo sendo minimamente processadas, como uma batata frita. O centro da crítica de Gibney é esse: pinçar na NOVA a exceção que, em sua visão, faz cair por terra a regra geral de que é preciso evitar esses produtos. “A cenoura também é um alimento não balanceado. Se você comer só cenoura, você vai ficar doente. Tirando o leite materno, nenhum alimento é balanceado. Por isso, diversificamos”, concluiu.

“Para mim, ouvir alguém dizer que queremos que você evite cereais matinais ultraprocessados e o pão produzido em massa é totalmente inaceitável para nós, irlandeses, por causa da relevância em nossa dieta.” 

Esse é um ponto em que começou a ficar claro com o tempo: a briga em torno da NOVA tem também um componente ideológico. Não acho que seja uma briga entre direita e esquerda, mas é certamente uma briga entre visões de mundo. A NOVA parece ter mexido com o paradigma do desenvolvimento de forma mais ampla: a ideia arraigada de que a humanidade é assim porque sim, sempre foi assim e seguirá sendo assim. Uma análise que carece completamente de capacidade de leitura da História, porque o fato é que vivemos mudanças drásticas em nossos modos de vida nas últimas décadas, e a alimentação foi um dos maiores exemplos disso.

Do outro lado está a ideia de que nossos padrões alimentares tradicionais oferecem maravilhosas respostas que, somadas àquilo que conhecemos hoje, graças à ciência, são o suficiente para garantirmos uma alimentação saudável não apenas para as pessoas, mas para o planeta.

Já que falamos de café da manhã… Gibney deu uma descrição minuciosa de seus hábitos ao despertar. “Eu coloco duas colheres de aveia, quatro medidas de leite, ponho no micro-ondas, depois ponho iogurte e mel. Compro iogurte desnatado com sacarina e baunilha. É ultraprocessado. Meu café da manhã é totalmente ultraprocessado, mas eu considero extremamente saudável e não tenho a menor intenção de mudar isso.”

Quem pulará da canoa primeiro?

Seguir abraçado à ideia de derrubar a NOVA é uma possibilidade? É, mas os custos são cada vez mais altos. A própria indústria passou a tentar lucrar em cima da mensagem de evitar ultraprocessados. No Brasil, a Heinz fez uma campanha publicitária que enfatizava o fato de ter um catchup com poucos ingredientes e sem aditivos.

Reprodução: Heinz

O problema, admite a empresa, é que isso levou os consumidores a questionar: e os outros produtos que vocês fabricam? Então, a campanha publicitária deu certo, mas também deu errado.

Em 2019, em São Paulo, pesquisadores próximos à indústria se reuniram em um evento acadêmico descontraído em um bar. Foi uma das noites mais insanas das minhas andanças em torno da NOVA. O que deveria ser uma sessão tranquila acabou por expor um racha evidente. Da plateia, a professora Maria Cecília de Figueiredo Toledo, aposentada da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, interviu. “Não existe ultraprocessamento na definição da engenharia de alimentos. Queria que alguém me definisse o que é ultraprocessado.”

Foi uma reprimenda a Mauro Fisberg, colega de ILSI, que havia dito comer poucos ultraprocessados. O professor da Unifesp fez questão, em várias vezes, de se distanciar das posições de Maria Cecília. “Você pode concordar ou não com a classificação NOVA. Mas acho que não dá para discutir que não existe. Existe. Você pode concordar ou não com ela.”

Ele ainda elogiou o Guia Alimentar para a População Brasileira. O que Fisberg parece querer dizer aos colegas é: parem de tapar o sol com a peneira. De ficar pinçando lacunas aqui e ali. De ficar negando o problema. Dizer que o bode não existe não o fará desaparecer da sala. 

Tudo isso se parece cada vez mais com as táticas da indústria do cigarro. E com uma tentativa de ganhar tempo enquanto se busca diminuir o peso da derrota. Manter as pessoas em situação de confusão e o Estado em letargia pode retardar a prestação de contas, mas será difícil evitá-la.

Em outras palavras, o malabarismo pode entreter por mais algum tempo, e depois virão os acrobatas, o mágico, o domador. Alguma hora, a lona do circo cai. Algumas pessoas já migraram para outros picadeiros. É certo que corporações como Nestlé, Danone e Unilever têm capacidade e grana para instalar muitos outros circos. O futuro, por ora, está em aberto.

Por que se concentrar no processamento?

  1. Os nutrientes críticos associados a enfermidades têm vindo especialmente de ultraprocessados
  2. Outros fatores relevantes do ponto nutricional são afetados pelo processamento:
    • a textura muitas vezes é diferente da textura dos alimentos tradicionais, o que afeta a quantidade de alimentos que consumimos
    • ao ter uma menor presença de fibras, os ultraprocessados podem afetar a saciedade, fazendo com que comamos mais
    • o uso de fragmentos de ingredientes, e não de ingredientes em sua forma integral, pode retirar do produto final uma série de componentes benéficos para a proteção da saúde – antioxidantes, por exemplo
    • ainda não termos certeza sobre os efeitos da presença de xenobióticos, ou seja, de substâncias estranhas à alimentação, como os aditivos
  3. O ultraprocessado mexe com o padrão alimentar de forma mais ampla, ao substituir não apenas alimentos isolados, mas dietas complexas, que foram selecionadas pela humanidade ao longo de milênios exatamente por serem saudáveis
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