Rotulagem contra as doenças que nos matam

Em documento, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) cataloga a rotulagem frontal de advertências como um instrumento de política capaz de prevenir doenças não transmissíveis. Assim, o maior fator de invalidez e morte da região poderia encontrar na informação um antídoto seguro e de baixo custo. Se o lobby permitir, claro.

Por: Redação Bocado

Nas Américas, 44% das mortes têm como causa enfermidades que possuem relação com dietas pouco saudáveis, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas – organismo especializado no tema para o continente, e que é parte da Organização Mundial de Saúde – OMS – desde 1949). Ou seja, 4 em cada 10 latino-americanos morrem devido a doenças causadas por sua própria alimentação. “Se as pessoas não consumissem nenhum produto processado ou ultraprocessado, a alimentação seria muito melhor do que a que existe hoje em dia”, disse o médico e pesquisador Carlos Monteiro, integrante do Grupo Assessor de Especialistas em Recomendações de Nutrição da OMS, durante o evento organizado pela Opas.

No início deste mês, a organização realizou virtualmente o lançamento do documento “A rotulagem frontal como instrumento de política para prevenir doenças não transmissíveis na Região das Américas”. O evento teve duração de duas horas e foi dividido em cinco partes: as boas-vindas do diretor, a apresentação do documento, diálogo entre os expositores convidados, respostas às perguntas que surgiram durante a transmissão e palavras de encerramento.

O público foi muito ativo, tanto no fórum de comentários como no de perguntas e respostas. Foram enviadas 68 perguntas, cujas respostas haviam sido contempladas no completo documento elaborado pela instituição.

Durante o fórum virtual, a Opas apresentou um documento de 36 páginas, em que explica os sistemas de rotulagem existentes e o melhor perfil de nutrientes possível. O material também contém uma série de 13 prováveis perguntas frequentes, com possíveis argumentos contrários aos postulados da entidade e respostas. 

Carlos Monteiro assinalou, em várias ocasiões, que o sistema de rotulagem proposto pela Opas está diretamente associado com os critérios da OMS e corresponde à evidência científica mais sólida atualmente. Isso significa também que qualquer mudança feita pela OMS em suas recomendações de dieta em relação a nutrientes e níveis críticos geraria mudanças imediatas nos parâmetros de rotulagem da Opas.

Benn McGrady, oficial técnico legal do Departamento de Doenças Não Transmissíveis da OMS, insistiu em uma mensagem direta: move forward, ou seja, sigamos em frente, avancemos. De acordo com McGrady, devido à lentidão do processo (aproveitada por lobistas para tornar mais lenta também a aplicação de políticas públicas), é preciso prescindir do Codex Alimentarius (órgão da OMS que propõe uma coleção de normas, diretrizes e recomendações relacionadas com alimentos, produção e inocuidade). O técnico considera também que a harmonização muitas vezes exigida, por parte dos participantes de blocos – como o Mercosul -, não requer o diálogo de todos com todos, e que são suficientes as individualidades de cada país.

Após duas horas de exposições, debates e perguntas, os especialistas da Opas terminaram o evento enfatizando três pontos-chave: harmonização, direitos humanos e sustentação científica. Harmonização que aconteceria através de decisões individuais de cada país; inação por parte de alguns países, o que a entidade considera uma violação aos direitos humanos; e lei de rotulagem como expressão da evidência científica mais forte no momento.

A lei de rotulagem frontal de advertência, medida à qual se aventuraram vários países – Chile, Peru, Uruguai, mas que foi aplicada de forma mais aprofundada no México -, salva vidas. É uma garantia de direitos humanos e se baseia na melhor evidência científica disponível até agora, o que a leva a ter o aval da Organização Mundial da Saúde. Funciona. Por isso gera tanta resistência entre os que buscam defender os interesses das marcas e que baseiam grande parte do seu negócio em vender produtos desnecessários, que afetam a saúde – e sobre os quais seus consumidores são pouco ou nada informados.

Esse material espera ser uma ferramenta de consulta para divulgar por que é preciso avançar em políticas públicas de rotulagem frontal nos países onde elas não existem.

Veja o documento completo neste link: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52740

Pão de mentira

Depende do Brasil o início de um experimento a céu aberto que poderia chegar em breve às nossas mesas. Já liberado na Argentina, o cultivo e a comercialização do trigo transgênico HB4 espera apenas o sinal verde da administração Bolsonaro para se tornar realidade. O experimento tem financiamento público, mas garante puro lucro para os mesmos de sempre.
Pode ser um marco na história da alimentação mundial: com o cereal modificado geneticamente, pela primeira vez seria produzida a farinha a alimentar milhões de pessoas. Farinha que faz o pão, ou o macarrão que tantos comem sem muitas outras alternativas para saciar a fome. Também ingrediente sutil, discretamente acrescentado na maioria dos produtos ultraprocessados.

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Fim do recreio para os ultraprocessados nas escolas de Yucatán

O México é o país que mais sofre os estragos do sistema alimentar, com uma população cada vez mais doente por conta do que come (e do que não come). Mas também é onde estão sendo aprovadas mais e melhores políticas públicas. Desde uma rotulagem clara em território nacional até a proibição de vender comidas e bebidas a crianças em sete Estados. A última medida é a “expulsão” dos ultraprocessados nas instituições de ensino de Yucatán.

Por: Redação Bocado

Os dados são alarmantes. Em Yucatán foram registrados casos de hipertensão arterial em crianças entre 6 e 12 anos, uma situação assustadora que fica ainda pior ao estar associada à taxa de obesidade. Porque, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o México é um dos países com maior índice de sobrepeso e obesidade no mundo — o sobrepeso atinge 70% da sua população —, e Yucatán, um dos 32 Estados mexicanos, é uma das regiões onde as estatísticas geram maior preocupação.

Para combater a obesidade, indica a OMS, é preciso começar desde cedo, porque as crianças com sobrepeso possuem maiores probabilidades de se tornarem adultos obesos. E no México a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição registrou um crescimento que oscila entre 7,8% e 9,7% em relação à prevalência de sobrepeso e obesidade em menores de cinco anos, entre 1988 e 2012.

A esse panorama inquietante somam-se outros dados: 1,2 milhão dos menores de 5 anos que moram no México apresentam anemia crônica, e 12,7% dessa população padece desnutrição crônica, segundo informações dos Serviços de Saúde de Yucatán (SSY) referentes ao período entre 2012 e 2018.

Desnutrição, anemia, hipertensão, obesidade e sobrepeso são fatores preocupantes, ainda mais no universo dos pré-escolares. Tanto que as autoridades aprovaram medidas importantes. Assim como deram luz verde a um sistema de rotulagem de alimentos em território nacional — e que aperfeiçoou seu antecedente chileno —, governantes de vários Estados mexicanos estão dando novos passos.

Em Yucatán, o congresso local reagiu frente aos dados. Em 26 de novembro, modificou sua Lei de Nutrição e Combate à Obesidade com um adendo taxativo: proibiu a distribuição, venda, oferecimento e abastecimento de alimentos e bebidas não alcoólicas com excesso de sódio, gorduras e açúcares nas escolas de nível pré-escolar e fundamental. Ou seja, proibiu que sejam entregues ultraprocessados a crianças menores de 12 anos.

A medida é importante porque a escola é a segunda casa de uma criança. É o que diz o Instituto Nacional de Saúde Pública, ao indicar que estudantes menores de idade consomem 50% das suas calorias diárias dentro do ambiente escolar.

Mas as mudanças impulsionadas pelo governo de Yucatán vão além: ordenam que as escolas de educação básica fomentem competições esportivas e bons hábitos alimentares; e que promovam o consumo de água potável ou a ingestão de produtos orgânicos cultivados pelos mesmos alunos (apesar de ser conhecida a realidade de que são poucas as escolas com bebedouros e ainda menos as que vendem frutas ou verduras). Outra nova regra determinada pela administração local é que os alunos do curso de nutrição possam colocar seus serviços à disposição da educação básica, com a possibilidade de realizar um acompanhamento pessoal dos alunos. O fim é prevenir casos de obesidade ou desnutrição e, se preciso for, tratá-los em tempo e forma.

Yucatán está deixando claro qual é o foco. Constatados seus altíssimos índices de obesidade, o combate a essa realidade com medidas concretas. Os objetivos são claros: conscientizar e proibir alimentos prejudiciais ao corpo desde cedo. Ou seja: formar pessoas saudáveis.