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A saúde sob ataque

Publicado em 08 de agosto 2021

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são um grupo de doenças não infecciosas, de progressão lenta e longa duração. São a principal causa de morte no mundo, e seu tratamento é caro e crônico. Inclui, entre outros, alguns tipos de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares – 3,9 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa delas na América Latina. Um problema que teve um aumento de quase 30% em dez anos.

Os mesmos refrigerantes, os mesmos cereais, os mesmos biscoitos, o mesmo pão de café da manhã, os mesmos iogurtes: come-se a cada dia mais as mesmas coisas. A homogeneidade devasta culturas alimentares ricas e variadas, com territórios inteiros que agora estão esvaziados ou são obrigados a produzir o mesmo, e com a saúde dos comensais cujos corpos acabam sendo forçados a se adaptar a um cardápio de nutrientes críticos excessivos – açúcar, gordura de baixa qualidade e sal –, cheio de aditivos que os fazem parecer que são alimentos. Iogurte de morango sem morango, pasta de avelã sem vestígios de avelã.

De 2009 a 2014, a venda de produtos ultraprocessados ​​cresceu 8,3% na América. Em 2019, aumentou mais 9,2% de acordo com os dados mais recentes da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Esse aumento não é uma coincidência, mas sim o resultado de uma estratégia ativa das grandes corporações alimentares, que veem a região como a terra prometida; o lugar onde um negócio que chega a seu limite nos países desenvolvidos pode renascer. “O que realmente tem impulsionado essa maior agressividade para penetrar nos produtos ultraprocessados ​​na América Latina é a saturação dos mercados do hemisfério norte, onde cerca de 50% ou 60% dos alimentos são ultraprocessados. Na América Latina, essa incidência fica entre 10% e 30%, então é possível crescer mais”, explica Fabio da Silva Gomes, assessor regional de nutrição da Opas.

De acordo com um relatório do Centro para Ciência no Interesse Público (Center for Science in the Public Interest – CSPI), os mercados emergentes são essenciais para atingir os objetivos de marcas como a Coca-Cola. Em 2013, as operações fora dos Estados Unidos representaram 58% das operações líquidas da marca e as vendas cresceram drasticamente em países como Tailândia, Índia, Rússia, Brasil, Equador, Guatemala, Vietnã e Argélia.

Apesar de sua promessa publicitária, não é exatamente felicidade que o consumo sustentado desse tipo de produto nos traz. Hoje, 80% das mortes na região são explicadas por DCNT (complicações cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas), cujos principais fatores de risco incluem dietas com excesso de açúcar, sal e gordura, nutrientes essenciais que aumentam proporcionalmente o consumo de ultraprocessados. Na América Latina, essas doenças cresceram 26,7% entre 2000 e 2013. Hoje, 3,9 milhões de pessoas morrem a cada ano por essas causas evitáveis.

No entanto, a situação é ainda mais alarmante na infância. São as crianças e adolescentes que mais consomem esses produtos. Pesquisa realizada no sul do Brasil revelou que os alimentos ultraprocessados ​​representam 20% da energia da dieta de crianças menores de 2 anos e 36% de crianças entre 2 e 6 anos, o que explica por que o marketing da marca avança com tanta sanha sobre os pequenos: são eles que engordam as carteiras das empresas à custa da própria saúde.

A alimentação infantil surge com multiplicidade de opções desde seu início complementar. Existem laticínios, sucos e biscoitos para a primeira infância – em alguns casos com inscrições como “meu primeiro Danone”–; produtos cheios de designs que provocam ternura, moldam o paladar e criam vínculos afetivos.

Mas, na realidade, eles trazem malefícios. A obesidade na infância e na adolescência atingiu proporções epidêmicas na região. Estima-se que 7% das crianças menores de 5 anos estão com sobrepeso ou obesas e na população escolar (6 a 11 anos) as taxas variam de 15% (Peru) a 34,4% (México). Entre os adolescentes de 12 a 19 anos os números variam de 17% (Colômbia) a 35% (México).

As projeções da Opas indicam que a eliminação de fatores de risco, como tabagismo, consumo de substâncias ultraprocessadas, estilo de vida sedentário e consumo excessivo de álcool, poderia prevenir 80% de doenças cardíacas, derrames e casos de diabetes do tipo 2, bem como mais de 40% de casos de câncer.

Por que, até agora, a indústria conseguiu aumentar sua presença e transformar produtos considerados supérfluos ou de consumo esporádico em parte central da dieta diária? Por que os pais oferecem sistematicamente aos filhos um cardápio de produtos que podem fazer mal à saúde? O senador chileno Guido Girardi, principal promotor da lei de rotulagem em seu país, não tem dúvidas: “Porque há uma assimetria de informação, uma omissão. Os sistemas de rotulagem que a indústria utiliza na embalagem são feitos para que ninguém consiga interpretar corretamente, permitindo colocar lixo dentro de um recipiente que parece saudável, com a parte externa cheia de animações, cores, formas de animais”.