Skip to content

Quem carrega o peso do lixo?

por Mylena Melo/ Brasil
Foto: adobe stock
Publicado em 18 de outubro de 2021

O Brasil é o quarto país que mais produz plástico no mundo, e menos de 2% do total é reciclado. A tarefa de lidar com essa montanha de lixo recai principalmente sobre os catadores, que somam ao menos 800 mil trabalhadores. A categoria é vítima de leis arbitrárias, despejos, e fica exposta à ‘uberização’ promovida por aplicativo financiado pela indústria 

Alex Cardoso é a terceira geração de catadores de sua família e, se continuar por esse caminho, deve se tornar antropólogo. Com 41 anos e quatro filhos para criar, Alex concilia as longas jornadas juntando materiais nas ruas de Porto Alegre com a rotina acadêmica como estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 

O trabalho como catador começou cedo, quando era criança. “Brincadeira e trabalho era um mundo muito igual pra mim. A gente brincava de trabalhar. Porque a necessidade era muito grande”, lembra. Ele tinha até uma vassoura adaptada ao seu tamanho, para “brincar” de limpar o pátio da vila em que morava. Também “brincava” de separar os materiais recicláveis que a família coletava.

Essa trajetória como catador é algo que Alex leva para dentro da academia. Em 2020, ele publicou o artigo “A uberização da coleta seletiva: reflexões sobre as novas formas de trabalho na era da economia digital”, cujo tema central é o aplicativo Cataki, lançado em 2017 para aproximar catadores de materiais recicláveis e geradores de resíduos. 

“A economia do compartilhamento promete ajudar prioritariamente indivíduos vulneráveis a tomar o controle sobre suas vidas tornando-se microempreendedores. Mas é importante dizer que esse recurso está diretamente ligado com a desregulamentação e justificação para a ausência do Estado no combate das desigualdades sociais”, diz Alex, em seu artigo.

E com isso ele toca em dois pontos importantes na situação atual dos catadores no Brasil: a precarização do trabalho, promovida, entre outros motivos, por aplicativos desse tipo, e o abandono do Estado. Por lei, o poder público deveria apoiar e incentivar a categoria, que carrega, praticamente sozinha, o peso da montanha de lixo que produzimos diariamente

Alex Cardoso é a terceira geração de catadores de sua família. “A gente sempre foi esse sujeito invisível”. Hoje, aos 41, ele está a caminho de se tornar antropólogo e participa ativamente do movimento de catadores. Foto: Arquivo pessoal.

A Lei 12.305, chamada de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), foi aprovada há mais de 11 anos com a promessa de ser uma revolução na gestão do lixo no país. A política delegou responsabilidades a todo mundo: Estado, indústria, comércio e consumidores, mas, de lá para cá, pouco mudou

A lei previa que o poder público deveria priorizar o funcionamento e a contratação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, além de instituir “medidas indutoras e linhas de financiamento” para ajudar a categoria na “implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos”. Na prática, entretanto, catadores continuam expostos a um trabalho precário e desvalorizado, vítimas de despejos e de leis arbitrárias. 

Em Porto Alegre, cidade do Alex, por exemplo, há uma lei que proíbe a circulação dos carrinhos usados pelos catadores para a coleta. Há uma batalha constante entre as cooperativas e o poder público para que a lei seja revogada ou, no mínimo, tenha sua implementação adiada e os carrinhos não sejam apreendidos pela fiscalização.

Catadores de Porto Alegre (RS) se mobilizam contra “lei da fome”, que proíbe a circulação dos carrinhos usados para a coleta de resíduos. Foto: Arquivo Pessoal.

A PNRS também estabeleceu o princípio do “poluidor pagador”, ou seja, as empresas têm uma responsabilidade em relação ao lixo que produzem. Mas o texto da lei não detalha regras para o sistema de logística reversa de embalagens plásticas, metálicas, de vidro – as mais comuns do nosso dia a dia. Essa tarefa ficou para um regulamento futuro, que só veio cinco anos depois da criação da PNRS – um acordo setorial, assinado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e centenas de empresas, que foi recebido por especialistas com pessimismo, pois era frágil e superficial. “Esse acordo setorial já foi criado para as empresas não fazerem”, disse Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, em entrevista a O Joio e o Trigo

Mesmo assim, a indústria de ultraprocessados protestou. Coca-Cola, Ambev, Unilever, Nestlé, Tetra Pak, Heineken e Kaiser assinaram o acordo e depois pularam fora. O texto já previa que, nesse caso, as empresas seriam obrigadas a firmar um termo de compromisso com o MMA, o que não aconteceu até hoje. 

Dessas empresas, duas estão entre as maiores poluidoras de plástico do mundo: a Coca-Cola e Nestlé. No ranking do movimento Break Free From Plastic, de 2020, as empresas aparecem entre os três primeiros lugares em poluição de plástico. Apenas das fábricas da Coca-Cola saem mais de 160 mil garrafas por minuto.

Imagem: Break Free From Plastic - Brand Audit Report 2020.

Enquanto a regulação não chega, quem paga a conta é a população. Em entrevista para um episódio do podcast Prato Cheio, o gerente de planejamento e desenvolvimento da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo (Amlurb), Túlio Rossetti, afirmou que a logística reversa ainda não funciona no país e, por isso, “a gente é prejudicado pelas empresas, que colocam a embalagem no mercado e não coletam. E o custo de tudo isso é da prefeitura”.

Para completar, a montanha de lixo plástico só aumenta. O Brasil é o quarto país que mais produz o material no mundo, informa o Atlas do Plástico, da Fundação Heinrich Böll. De acordo com a publicação, produzimos mais de 11 milhões de toneladas de plástico ao ano, para todos os setores de bens e serviços, e o volume reciclado não chega a 150 mil toneladas, menos de 2% do total.  

O governo não cobra uma atuação efetiva das empresas, mas elas precisam, de alguma forma, mostrar em relatórios de sustentabilidade e em campanhas publicitárias que estão comprometidas com a reciclagem e o fim da poluição plástica, porque há uma pressão do mercado global e dos consumidores. Isso se reflete, por exemplo, no financiamento de aplicativos como o Cataki. 

A ideia do app surgiu em uma hackathon, maratona hacker na qual programadores e representantes da sociedade civil se reúnem para desenvolver softwares. No início, duas entidades do terceiro setor financiaram a iniciativa, a OAK Foundation e a Humanitas360. Hoje, de acordo com o site do app, são financiadoras a Coca-Cola, Nestlé, Instituto Pdr e OAK Fundation.

Procurada, a Coca-Cola disse que não investe mais no aplicativo. A assessoria informou à reportagem que o financiamento foi pontual e durou apenas 12 meses. Em 2019, a empresa investiu um milhão de reais no Cataki. Assim, tornou-se a maior financiadora do aplicativo e fez disso uma ferramenta de marketing. Logo depois, um texto da Coca anunciou que o investimento iria “mudar o cenário do descarte de garrafas PET no país”, proporcionando mais renda para os catadores. Mas qualquer um que circula pelas ruas, praças e praias brasileiras sabe que o problema do lixo, especialmente plástico, exige uma solução muito mais robusta, que vai além de uma pequena doação a um aplicativo. 

Na verdade, o que os especialistas defendem é que “a melhor solução é usar menos plásticos e usar coisas que são reutilizáveis”. É o que disse o economista da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Henrique Pacini, em entrevista ao podcast Prato Cheio

Praia no Rio de Janeiro (RJ) amanhece com “tsunami” de lixo, após réveillon. Foto: Instituto Mar Urbano.

Como o aplicativo funciona?

O Cataki funciona assim: depois de baixar, você se cadastra, coloca a sua localização e o material que quer descartar. A tela exibe um mapa da sua região, com os catadores que estão mais próximos. Você seleciona um deles e pode entrar em contato através do WhatsApp ou de uma chamada telefônica. Aí a negociação fica entre quem quer jogar o lixo fora e quem precisa catar lixo para viver. 

É a mesma lógica de Uber e Ifood: aplicativos da “economia do compartilhamento”, vulgo uberização, que criam trabalhos super precarizados, sem nenhum direito. O resultado é que tem entregador precisando de marmita e vaquinha para sobreviver. Enquanto os donos dos aplicativos, das grandes redes de supermercados e fast food aumentam seus lucros. 

O Cataki é internacionalmente premiado, considerado uma iniciativa pioneira e já tem mais de 100 mil downloads. Mas, de acordo com seu site oficial, tem só 1.400 catadores cadastrados. Uma parte pequena da gigante categoria, de pelo menos 800 mil trabalhadores no país, de acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. A título de comparação: o Brasil tem, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, 500 mil médicos. 

Alex explica que o aplicativo “não pega” entre a maior parte dos catadores, por alguns motivos, como a acessibilidade. Só terão acesso a essa modalidade de coleta os catadores que tiverem algum nível de estrutura – veículo para transportar o resíduo, celular compatível com o aplicativo, acesso à internet e o conhecimento acerca do uso do app. 

Outro motivo é o que ele chama de cultura social da reciclagem – a relação entre o catador, os geradores de resíduos e a cidade. “As pessoas entregam o material e no outro dia elas não vão procurar novamente no aplicativo um outro catador. E tampouco o catador vai ficar esperando o aplicativo para trabalhar, ele tem uma relação com a cidade.” 

O aplicativo não estabelece nenhum vínculo empregatício e não configura uma cooperativa ou associação. Nem estimula de alguma forma a organização da categoria. Também não precifica a coleta, o que, de acordo com Alex, dá margem para que o catador preste o serviço de graça. 

“Esses aplicativos, muitas vezes, se passam como atalhos para resolver problemas de exclusões sociais, mas na prática e em longo prazo não é isso que se observa”, afirma Alex, em seu artigo. 

De acordo com um ex-coordenador do Cataki, que preferiu não se identificar, esse é um desafio técnico quase insolúvel. Para precificar o trabalho, seria necessário incluir muitas variáveis no código do app, o que também deixaria seu uso mais complexo, tanto para o gerador de resíduos, que precisaria detalhar o peso e material do lixo do qual quer se livrar, quanto para o catador. 

Por meio de nota, a equipe do aplicativo afirmou que incentiva o pagamento pelo serviço, mas que esse “é um desafio que envolve lidar com o preconceito e a falta de informação das pessoas e do próprio poder público sobre qual é o papel de um catador no sistema, desenvolvendo iniciativas, muitas vezes, com uma visão colonialista do trabalho de catadores e que impede que essas alternativas sejam efetivamente inclusivas”.

Também afirmou que “apontar que o Cataki possa uberizar o trabalho do catador é compreensível, mas é um equívoco comum – pois, na prática, o Cataki além de não realizar qualquer imposição de regime de trabalho, atua como um ecossistema na base da organização PARA e COM os catadores, de maneira conjunta” e que “distante de uma relação precarizada – elas encontram no Cataki apoio e uma visão de trabalho autônoma e digna, muitos pela primeira vez”.

Sujeito invisível

Alex nasceu em Passo Fundo, no interior do Rio Grande do Sul, mas passou a infância na antiga vila Cai Cai, uma comunidade empobrecida às margens do rio Guaíba, em Porto Alegre. Se você assistiu ao documentário brasileiro Ilha das Flores (1989), dirigido por Jorge Furtado e internacionalmente premiado, você já conhece o Alex. O filme mostra cada etapa da cadeia do lixo e a dura realidade de famílias que trabalham em um lixão, em busca de restos considerados impróprios até para porcos. Alex nasceu em uma dessas famílias.

A família de Alex é protagonista do filme Ilha das Flores (1989), dirigido por Jorge Furtado. O documentário é internacionalmente premiado e mostra a dura realidade de catadores em um lixão.

Quase todos da vila Cai Cai viviam da coleta, triagem e venda de materiais recicláveis. Moravam em pequenas construções armadas em pedaços de madeira, papelão e plástico. A comunidade não tinha luz, e a água vinha de uma bica do outro lado da avenida. Eles atravessavam a via com um balde vazio e, se não fossem atropelados no caminho, voltavam com ele cheio. 

“A gente sempre foi esse sujeito invisível. Esse sujeito que trabalha muito e está ligado ao feio, à imundície, à drogadição, à violência, a tudo que é ruim, porque trabalha com o lixo”, conta Alex.

Até os 14 anos, Alex ainda estudava. “Com 15 eu comecei a namorar e com 16 eu fui pai, aí tive que desistir de tudo pra começar a trabalhar”. Seguiu o mesmo ofício da família, para o qual foi treinado desde o nascimento, mas sempre nutriu a ideia de voltar a estudar.  

As andanças de Alex como catador o levaram até os movimentos sociais. Ele passou a fazer parte da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis do Loteamento Cavalhada (ASCAT), da Central de Cooperativas de Catadores de Porto Alegre e Região Metropolitana (Rede CATAPOA) e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). 

Seu trabalho com a reciclagem e na militância social fizeram com que fosse convidado a dar palestras em universidades dentro e fora do país. Mas algo o incomodava. “Não importava em qual universidade eu estava, eu era apenas o cara a ser pesquisado e nunca o pesquisador. Então meu conhecimento servia para alimentar os outros, mas era um conhecimento desvalorizado.” 

Foi assim que, um dia depois do trabalho, decidiu voltar à escola. Se apaixonou pelas aulas de história, geografia e sociologia. Concluiu o ensino básico em 2017 e, no ano seguinte, ingressou na universidade. Alex conta essa história no livro “Do lixo à bixo”, recém lançado pela editora Autêntica. 

Depois de ficar 20 anos longe da escola, Alex concluiu o ensino básico e ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2018. Ele conta sua trajetória no livro “Do lixo à bixo”, recém lançado. Foto: Felix Zucco / Agencia RBS.

“Os catadores fazem um trabalho importante, e não há um problema de falta de resíduos, mas sim de pagamento, reconhecimento e valorização pelo trabalho que fazem”, afirma ele. 

É por isso que as cooperativas e associações de catadores são tão importantes. Por um lado, brigam para que esses direitos sejam garantidos. Por outro, oferecem uma estrutura que o catador sozinho não consegue ter e, assim, possibilitam o acesso da categoria a contratos com o poder público e empresas geradoras de resíduos – o que de fato pode aumentar a renda do trabalhador. 

Apesar desse papel fundamental, reconhecido pela PNRS, muitas vezes o poder público mais atrapalha do que ajuda as cooperativas. Um exemplo disso ocorreu em João Pessoa, capital da Paraíba, onde uma cooperativa de catadores foi despejada, em plena pandemia.

 

“Os catadores fazem um trabalho importante e não tem um problema de falta de resíduos, mas sim de pagamento”

Cabeça erguida

Egrinalda Santos, de 48 anos, é catadora há muito tempo. Na verdade, se considera catadora desde o nascimento. “Minha mãe era lavadeira, meu pai sapateiro. Só que meu pai já tinha um forte problema com alcoolismo, aí nós fomos crianças muito sofridas”. O dinheiro da família acabava no copo. “Então para que a gente não ficasse tão aquém, a gente também fazia as nossas atividades, como plantar, coletar osso [para revenda às refinarias de açúcar], a mamona, fazer carvoaria”. 

Mais tarde, ela tentou ser empregada doméstica, mas não deu certo. Conta que foi muito humilhada pelos patrões e decidiu voltar à catação. Passou pelo Lixão do Róger, em João Pessoa (PB), fechado em 2003. E cinco anos depois participou da fundação da Associação dos Catadores e Catadoras de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis de João Pessoa (Catajampa), da qual é vice-presidente hoje.

Da esquerda para a direita: Maria de Jesus Leite e Egrinalda Santos, da Associação dos Catadores e Catadoras de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis de João Pessoa (Catajampa). Foto: Arquivo pessoal.

Em maio deste ano ela foi surpreendida por um oficial de Justiça e uma ordem de despejo, no galpão da Catajampa. No local estavam as ferramentas de trabalho dos 17 cooperados: uma balança, uma prensa, carrinhos de coleta e um caminhão. Não tinham como carregá-los nas costas, então saíram, como se costuma dizer, com uma mão na frente e outra atrás. “Aí eu fui atrás do [governo do] estado. Fui atrás da prefeitura. Ninguém me deu uma posição favorável, só me desanimaram mais ainda”, conta Egrinalda.  

A história do aluguel do galpão é uma novela desde o ano passado. Inicialmente, era pago por projetos sociais e universitários, que encerraram a parceria com a cooperativa. Depois a Catajampa assumiu o compromisso e, segundo Egrinalda, pagou dois meses de aluguel, mas havia uma resistência por parte do proprietário de assinar um contrato formal com o grupo. Com isso, a situação foi parar na Justiça. Em seguida, ainda de acordo com Egrinalda, o dono teria argumentado que não recebeu o valor do aluguel e, por isso, a cooperativa teria sido despejada. 

Após despejo, catadores da Catajampa ocuparam galpão abandonado e fizeram revitalização do espaço. Foto: Arquivo pessoal.

Depois do despejo, os catadores da Catajampa procuraram outro espaço para alugar, mas não encontraram nada que pudessem pagar e que atendesse às necessidades da cooperativa. 

“Um certo dia, uma companheira que também é presidente de outra associação de catadores, viu esse lugar”, diz ela, sobre um galpão abandonado, da prefeitura. O local servia para o trabalho da cooperativa, então eles decidiram “entrar e ver no que ia dar”. “A gente correu pra cá”, conta Egrinalda.

O espaço era bom, mas estava muito sujo, então antes de ocuparem, fizeram uma faxina. Na ocasião, um conhecido orientou Egrinalda a procurar o secretário Fábio Carneiro, da Secretaria de Desenvolvimento e Controle Urbano (Sedurb), porque ele poderia ajudar a resolver a situação ou até encontrar um espaço melhor para a cooperativa. Egrinalda ligou para o gabinete e agendou uma reunião, em uma segunda-feira, às 9h. 

“A gente correu pra lá nessa segunda-feira e deu 9h, 10h, 11h, 12h, 13h, e o cara não apareceu. Até que a secretária chegou e disse: ‘bom, ele não apareceu, então vocês vão embora. Já peguei os dados de vocês, ele entrará em contato’. Aí eu disse: ‘se ele não quis diálogo com a gente, então vamos pra dentro’. E foi o que a gente fez. Entramos aqui pra dentro”.

“Estamos aqui enfrentando de cabeça erguida e por nossa conta”

O secretário nunca ligou de volta. Depois que o galpão foi ocupado, a polícia, bombeiros, empresários apareceram, tentando convencer moradores da região a se opor à ocupação dos catadores, conta Egrinalda. E a Sedurb autuou a cooperativa por “invasão de área pública”. 

Procurada, a assessoria da Sedurb não quis se manifestar sobre a recusa do secretário Fábio Carneiro em atender os catadores. Por meio de nota, informou apenas que “precisou atuar na localidade para viabilizar a reintegração de posse do solo público, que estava sendo ocupado de maneira ilegal”.

Com o apoio da Defensoria Pública, do Ministério Público Federal e da Secretaria de Desenvolvimento Humano do Estado, a Catajampa segue lutando pelo galpão e por mais apoio do poder público aos catadores. Até porque o descaso é histórico. Egrinalda conta que, quando o Lixão do Róger foi fechado, o poder público negou o devido protagonismo dos catadores e que hoje a Catajampa não tem nenhum contrato de prestação de serviços com a prefeitura.

“Ninguém consegue colocar na cabeça desses gestores públicos que eles precisam pagar pelos serviços prestados”, afirma Egrinalda. 

Em uma live, Cláudio Luiz dos Santos, coordenador nacional do grupo de trabalho Catadoras e Catadores, da Defensoria Pública da União (DPU), lamentou a omissão do poder público nesse caso e em outros de despejo de cooperativas durante a pandemia. Em entrevista a O Joio e o Trigo, Cláudio lembrou que “quando se trata da política pública de resíduos sólidos, do sistema de coleta seletiva, com a participação dos catadores, nós estamos falando de profissionais. Pessoas, acima de tudo. Mas profissionais, que não estão ali pedindo favores”. 

Em agosto, quando a reportagem teve o contato mais recente com os catadores da Catajampa, eles continuavam em negociação e conseguiram recuperar as ferramentas de trabalho que estavam no antigo galpão. Apesar disso, permaneciam com o trabalho comprometido porque precisavam lidar, com frequência, com autuações, reuniões inconclusivas e coação. Mas Egrinalda não pretendia desistir. “Estamos aqui enfrentando de cabeça erguida”.