Santander financia empresas brasileiras da indústria de carne ligadas a desmatamento da floresta amazônica

Banco espanhol concedeu ao menos 1,37 bi de dólares às gigantes Marfrig, JBS e Minerva entre 2013 e 2019. Foi o segundo maior financiador, atrás apenas do britânico HSBC

Por: Nazaret Castro, con la colaboración de Amigos de la Tierra

O Banco Santander está entre as entidades financeiras europeias apontadas como financiadoras de empresas brasileiras da indústria da carne diretamente ligadas ao desmatamento da floresta amazônica. Assim demonstram os dados coletados pela ONG Global Witness junto à holandesa Profundo e que foram disponibilizados pela Amigos da Terra. Em meados de 2020, uma investigação do The Guardian, o Bureau of Investigative Journalism e Repórter Brasil demonstrou que, entre 2013 e 2019, diferentes bancos instalados em território europeu financiaram com 12 bilhões de dólares empresas como JBS, Marfrig e Minerva, que concentram, segundo dados do Greenpeace, 70% do gado que é criado e abatido na Amazônia brasileira.

Segundo os dados obtidos, o Santander contratou pelo menos 1,37 bilhão de dólares com essas empresas entre 2013 e 2019, majoritariamente através da compra de títulos, que alcançaram 1,36 bilhão de dólares. Marfrig foi, com grande diferença, a maior beneficiária dos investimentos do banco espanhol, com 1,12 bilhão de dólares em títulos. É, além disso, a empresa com a qual o banco teve um relacionamento mais continuado ao longo do tempo e foram observados investimentos praticamente todos os anos desde 2013, com exceção de 2015. A segunda empresa que recebeu mais financiamento do Santander foi a JBS, com 200 milhões de dólares em títulos em 2013 e, finalmente, Minerva, com 40 milhões em 2014. O Santander também adquiriu ações nas três empresas, por um total de 8,7 milhões de dólares. Neste caso, foi a JBS a principal receptora com cerca de sete milhões de dólares.

O Santander foi, assim, o segundo banco com o maior financiamento para essas três empresas, só atrás do britânico HSBC. No ranking geral está situado em sexto lugar, atrás de quatro bancos brasileiros, além do já citado HSBC. Não obstante, os dados foram elaborados a partir de informações públicas e poderiam estar incompletos. Os bancos, frequentemente, compram títulos e ações em representação de clientes que investem através de seus fundos de investimento, afirma o Bureau of Investigative Journalism.

JBS, Marfrig e Minerva são as principais empresas do setor do mundo. Entre elas, a JBS é a líder mundial. Em 2012, abateu diariamente 85.000 cabeças de gado, 7.000 suínos e 12 milhões de aves, que comercializou em 150 países.

Nos últimos anos, diversas investigações revelaram o vínculo que existe entre a indústria pecuária e a aceleração no desmatamento da floresta amazônica. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE), nove de cada dez focos de incêndio em áreas destinadas ao agronegócio foram em solo destinado à criação de gado. E outra investigação do Instituto Imazon mostrou que, em 2019, 70% dos incêndios aconteceram em áreas de compra de empresas da indústria da carne. “O Amazonas está sendo leiloado para a produção de carne; há estados onde há mais vacas que pessoas”, aponta Soledad Barruti, jornalista especializada em alimentação. “Os incêndios são a ferramenta necessária para o avanço desse modelo, que vai acompanhado da violência e da expulsão dos povos indígenas, que são os principais preservadores da natureza e dos territórios”, comenta a jornalista argentina.

O desmatamento na Amazônia disparou este ano, com um aumento de 9,5%, a cifra mais alta dos últimos 12 anos, segundo o INPE. Esta tendência vem se agravando com o governo de Jair Bolsonaro, já que, em 2019, seu primeiro ano de governo, o desmatamento na Amazônia cresceu 86% em comparação com o ano anterior e, no caso do Pantanal, um ecossistema igualmente biodiverso e vulnerável, o aumento foi de 573% segundo dados do INPE. Como alerta o relatório Queimando a Amazônia, da Amigos da Terra, esses números se devem, principalmente, à ação humana. 

“Os incêndios são uma das ações dentro desta rede bem articulada com o propósito de aumentar a exploração de bens comuns para obter lucro. Dessa maneira, se mantém a cadeia mundial de produtos básicos agroalimentares e minerais controlados por empresas multinacionais”, afirma Amigos da Terra, em um relatório. O documento destaca que a falta de supervisão dos fornecedores não exime as empresas de responsabilidade nesse processo.

No caso concreto da Marfrig, companhia que recebe o grosso do financiamento do Banco Santander destinado a essas empresas, a organização Global Witness apontou, em uma investigação recém publicada, que havia comprado, entre 2017 e 2019, 89 fazendas com mais de 3.300 hectares desmatados, “todos ilegais”, segundo o documento. Marfrig é considerada a segunda maior produtora mundial de carne de gado, uma empresa que exporta produtos para cerca de 100 países, incluindo a Espanha.

Evasão de responsabilidades

Segundo o relatório Restituir o Fornecimento de Alimentos da UE, da Amigos da Terra, quando a União Europeia calcula qual o seu impacto no desmatamento, não inclui o papel que desempenham as entidades financeiras que promovem esse modelo. “Os bancos desempenham uma função fundamental” há duas décadas, sublinha o relatório, que defende a imposição de uma obrigação juridicamente estrita e vinculante do dever de vigilância aos bancos, dentro do marco do futuro Tratado da ONU sobre empresas e direitos humanos, que está atualmente em negociação.

O Banco Santander rejeita sua cumplicidade com a devastação da floresta amazônica. “A entidade formulou políticas setoriais específicas que contêm critérios para analisar os riscos sociais e meio ambientais derivados das atividades de nossos clientes em setores sensíveis”, afirmou o Banco através de seu departamento de imprensa. A entidade afirma que teve em conta “os acordos que haviam assinado as processadoras de carne com o Greenpeace e o Ministério Público do Governo brasileiro em relação ao abastecimento de carne”. Além disso, comenta que “o Santander Brasil trabalha com uma empresa de imagens por satélite de vanguarda que monitora 5.000 propriedades” que financia. Essa empresa, cujo nome não foi revelado para a reportagem, “fornece informação diária sobre embargos relacionados com áreas desmatadas, trabalho em condições de escravidão e outros problemas”, de modo que “se for comprovada a existência de alguma situação ilegal, o Santander Brasil tem a faculdade contratual de declarar o vencimento antecipado da dívida e exigir o pagamento”.

O Banco Santander se refere ao acordo que surgiu quando, em 2009, uma investigação realizada pelo Greenpeace junto ao Ministério Público Fiscal brasileiro desmascarou o papel do setor da indústria de carne na destruição da floresta, como detalha o relatório A Farra do Boi. Dada a repercussão midiática do caso, a JBS, a Marfrig e Minerva assinaram, junto ao Ministério Público, um “compromisso de ajuste de conduta” (TAC ou Termo de Ajustamento de Conduta) e aderiram a “critérios mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma Amazônia”.

“Lavagem de gado”

Entretanto, as empresas agropecuárias e seus fornecedores conseguiram evitar os compromissos assumidos no chamado “TAC da Carne”, como demonstraram investigações do Greenpeace, Repórter Brasil e Anistia Internacional. O Ministério Público não se mostrou severo com as violações dos compromissos: ao contrário, considerou satisfatórios os resultados de empresas com até 30% de compras irregulares em 2016 e optou por não punir nenhuma das companhias auditadas. Em 2018, uma nova auditoria do Ministério Público Federal detectou irregularidades em 19% das compras da JBS. A Marfrig decidiu não se submeter à fiscalização, então não existem dados a esse respeito.

O fato é que, uma década depois do acordo, aproximadamente 65% da área desmatada na selva amazônica é destinada a pastagens para o gado. Esse dado sugere que, além de irregularidades específicas, os sistemas de monitoramento sobre o fornecimento a essas empresas não estão funcionando. Isso acontece porque quando essas empresas afirmam que controlam a procedência de seus fornecedores, estão se referindo somente ao fornecedor final. A cadeia é muito mais longa e difícil de monitorar. É o que é chamado “lavagem de gado”: os fornecedores irregulares se encarregam da criação durante as primeiras etapas da vida do animal e vendem depois a um fornecedor que não está diretamente ligado a casos de desmatamento nem trabalho escravo. É esse proprietário “limpo” que se encarrega da etapa imediatamente anterior ao abate e da venda direta à empresa frigorífica.

Avanços na sustentabilidade ou no greenwashing?

Diante da pressão internacional, em 2020, Marfrig, Minerva e JBS reafirmaram os compromissos assumidos em 2009 e se isentaram dos escassos avanços até então argumentando que o sistema brasileiro de rastreamento de gado dificulta a análise dos “fornecedores indiretos”. A Marfrig Global Foods anunciou um ambicioso programa de sustentabilidade para a próxima década, com um orçamento de 500 milhões de reais, e se comprometeu a monitorar seus fornecedores na Amazônia de agora até 2025, e no Cerrado e em outros ecossistemas, até 2030. 

Para o Greenpeace Brasil, o verdadeiro problema é a falta de vontade política: “Se os compromissos tivessem sido assumidos com seriedade, o setor inteiro já estaria operando sobre critérios mínimos e controlando todos os fornecedores ao longo da cadeia, e o governo estaria apoiando com assistência técnica a concessão de créditos para aqueles que querem produzir provocando menos impacto”, aponta a organização. E a expectativa é que a atividade dessas empresas continue crescendo. Se estima que as exportações serão o principal motor do setor e que, para satisfazer a demanda nacional e internacional, o Brasil chegará a 2029 abatendo 52,9 milhões de cabeças de gado, 17,7% mais do que em 2019. Esse aumento será acelerado se acontecer a ratificação do tratado comercial entre a União Europeia e o Mercosul, segundo o qual Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai poderiam exportar 99.000 toneladas a mais de carne bovina para a UE com impostos reduzidos – o que poderia aumentar em 30% as exportações de gado para a UE.

Por sua parte, o Banco Santander, como também o Bradesco e Itaú, assinaram um compromisso com a preservação da Amazônia em julho de 2020. “Para que o plano seja eficaz, é fundamental que se intensifiquem as medidas de proteção da floresta amazônica, coordenando as ações dos bancos com o governo e as iniciativas públicas”.

O risco é que esse tipo de acordo derive em greenwashing (lavagem verde), através de medidas como a “promoção de instrumentos financeiros verdes” ou o apoio a tecnologias vinculadas à “bioeconomia”, que tem mais a ver com a chamada “economia verde”, que avança na financeirização dos bens comuns, do que com uma verdadeira aposta pela sustentabilidade.

A isso se soma, de novo, a ameaça da ratificação do acordo comercial UE-Mercosul, que pode supor o aumento do investimento em atividades de desmatamento por parte das instituições financeiras da União Europeia. Segundo Mute Schimpf, Responsável de Alimentação da Amigos da Terra Europa, “este acordo facilitaria as atividades dos bancos e os investidores da UE no financiamento ao desmatamento nos países do Mercosul, agravando assim a ameaça que as florestas e terras das comunidades enfrentam”.

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