Carne drogada

Se ve roja brillante y reluce con el plástico encima como fresca. Pero oculta un pasado atroz que involucra adulteraciones como hormonas y anabólicos con la vaca en vida, y aditivos para que el producto final luzca mejor de lo que es cuando la vaca ya está muerta. En esta nota, el bistec bajo la lupa. Una recorrida entre criaderos y expertos y controles que nadie hace para descubrir que eso que consumimos tal vez no pueda siquiera llamarse carne.

Continue reading

México e Peru avançam na batalha contra o milho transgênico – e seus venenos

Por: Redação Bocado

2020 legou recordações sombrias para o mundo inteiro, mas no México terminou com gosto de esperança. No último dia do ano, o presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, proibiu a plantação e o cultivo de milho transgênico e o herbicida que os acompanha – o glifosato.

Com isso, concretizou um dos avanços mais importantes da luta contra os transgênicos e estabeleceu que, desde a entrada em vigor do decreto até o último dia do seu mandato (em 31 de janeiro de 2024), se realizará um período de transição com o objetivo de “alcançar a substituição total do glifosato por alternativas mais sustentáveis e adequadas”. E colocou um ponto final às autorizações de plantios experimentais e plantações piloto, concedidas em 2009 pelo governo do ex-presidente Felipe Calderón.

Para ativistas rurais, indígenas, intelectuais e cozinheiros reunidos desde 2007 na campanha Sin Maíz No Hay País (Sem milho, o país não existe), as medidas são um grande passo para a preservação da soberania alimentar.

“O México produz 24,1 milhões de toneladas de milho branco em grão, destinadas à elaboração do principal alimento dos mexicanos, as tortillas”, explica ao Bocado o presidente da União de Cientistas Comprometidos com a Sociedade, Alejandro Espinoza Calderón.

“Dentro desse panorama, o decreto em questão é de suma importância, porque incide na produção do alimento a ser consumido pelo povo mexicano”, afirma o especialista, que vêm acompanhando de perto todo esse processo.

Em versão transgênica e em contato com o glifosato, o milho implica riscos. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, catalogou o glifosato como um provável carcinogênico em humanos e, após receber 125 mil processos, a Bayer-Monsanto teve que indenizar as vítimas dessa substância em 10 bilhões de dólares.

“No México, o glifosato é utilizado em uma grande variedade e quantidade de cultivos. Em grãos e cereais como milho, sorgo, arroz, trigo; oleaginosas como cártamo, girassol, soja; frutas como abacate, manga, goiaba, mamão, maçã, banana, laranja e vinhedos, só para mencionar alguns casos”, conta Calderón.

O decreto de López Obrador estabelece textualmente que, além de proibir, propõe-se buscar alternativas que “permitam manter a produção e que sejam seguras para a saúde humana e para a biodiversidade cultural do país e do ambiente”. Na seção “Desenvolvimento Sustentável” do Plano Nacional de Desenvolvimento 2019-2024 mexicano, existe um projeto que busca “alcançar a autossuficiência e a soberania alimentar”.

O México é um país com ampla biodiversidade, especialmente em relação ao teocintle – espécie mais popularmente conhecida como o antepassado do milho, a forma que o grão tinha há milhares de anos.

De acordo com a Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade, estima-se que haja no país 59 variedades nativas de milho.

Para o Greenpeace México, o decreto presidencial paga uma dívida histórica com a diversidade genética. Mas o Conselho Nacional Agropecuário do México expressou seu desagrado com a medida ao mencionar, em sua opinião, a desvantagem produtiva que a medida implica em comparação com outros países.

A decisão será implementada pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que vai coordenar e promover pesquisas científicas com objetivo de encontrar alternativas ao uso do glifosato, além de emitir recomendações anuais. Também vai impulsionar reformas constitucionais ao lado das secretarias de Meio Ambiente e Recursos Naturais, Saúde, e Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Peru

A batalha pela defesa do milho nativo, e com ele da cultura do campo e da cultura alimentar em todo o país, também teve um grande triunfo no Peru em dezembro do ano passado: foi ampliada a moratória implementada em 2011, que impede o plantio de sementes modificadas geneticamente. Assim, se mantém a proibição de entrada no país e da produção de organismos vivos modificado (OVM) com o fim de “fortalecer as capacidades nacionais, desenvolver a infraestrutura e gerar linhas de base em relação à biodiversidade nativa, que permita uma avaliação adequada das atividades de liberação de OVM ao ambiente”.

Com isso, também ganhou 15 anos uma luta que parecia perdida em meados do ano passado, quando em plena pandemia o agronegócio quis aproveitar a conjuntura para derrubar a moratória.

“A estratégia do lobby Monsanto-Bayer foi dirigida ao interior do Estado, com a colocação, em cargos públicos, de especialistas próximos a eles. Por exemplo, na direção do Ministério de Agricultura e Riego, no Ministério do Ambiente e na Comissão Nacional para a Inovação e Capacitação no Agro, liderada por Alexander Grobman, presidente da PeruBiotech, uma empresa próxima do lobby pró-transgênico”, enumera Karla Gabaldoni, integrante da rede Slow Food no Peru e membro do Consórcio Agroecológico Peruano, à reportagem.

Gabaldoni elenca outras interferências: “A participação ativa da Bayer aconteceu por meio da intervenção direta no Regulamento Interno Setorial sobre Segurança da Biotecnologia, para o desenvolvimento de atividades com organismos vivos modificados no setor agrário, conhecido como Ribsa”. Também menciona a presença da empresa em entrevistas com outros órgãos públicos e meios de comunicação.

O Peru também é um país com uma tradição agrícola de mais de 10 mil anos e ampla biodiversidade. Só de batatas, conta com 4 mil variedades. A entrada de cultivos transgênicos põe em risco seu sistema alimentar, por isso encontra resistência maior no interior do país e nas cozinhas dos lares peruanos. “No Peru, 50% das crianças padecem de anemia e desnutrição”, afirma Gabaldoni. “O acesso a uma alimentação saudável e nutritiva com produção diversa local é necessária e urgente.”

Hoje a ampliação da moratória permite que o país continue a se desfazer, de forma paulatina, do uso de sementes geneticamente modificadas com o fim de preservar uma das culturas alimentares mais valiosas da humanidade.

Essas conquistas não significam que a ameaça desapareça – com a moratória em plena vigência, soube-se que em lugares como na província de Piura 63,1% dos cultivos haviam sido contaminados com genética da Monsanto e algo semelhante aconteceu ao longo dos anos em Estados mexicanos, apesar da vigência, desde 2013, de uma medida cautelar.

No entanto, decreto e moratória são um grande impulso aos ativismos em prol do bem viver e da soberania alimentar, que tanta falta fazem em todo o continente.

A indústria de comida-porcaria é uma ameaça à democracia?

Por João Peres, de Bocado

Um documento lançado pelo Colectivo de Abogados José Alvear Restrepo, da Colômbia, e pela organização El Poder del Consumidor, do México, não tem dúvidas em afirmar: sim, as fabricantes de ultraprocessados ameaçam a democracia ao frear a ação do Estado em políticas públicas que podem salvar vidas. 

“La interferencia de la industria es nociva para la salud” é um estudo no qual as organizações passam a limpo as estratégias adotadas por corporações como Coca-Cola, Nestlé, Pepsico, Bimbo e Danone nos países que criaram sistemas de alerta sobre o excesso de nutrientes críticos, como sal, gorduras e açúcar. 

Não é acaso que esse modelo tenha sido criado no Chile e desde então sido analisado por outros países da América Latina: a região tem uma das situações mais graves no que diz respeito ao avanço das doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares, câncer) desde os anos 1990. Desde a última década, os governos têm buscado medidas para desencorajar o consumo de ultraprocessados e incentivar culinárias tradicionais, com base em alimentos frescos. 

O documento estabelece um pressuposto importante: “A indústria, apoiada em seu poder econômico e sua influência social e política, passou de ser um ator econômico a um interlocutor autorizado, apesar de sua ausência de credenciais confiáveis, em matéria de saúde pública.” Disso decorrem dilemas éticos e políticas públicas incoerentes, como a que está sendo adotada esta semana no Brasil. 

No es casualidad que ese modelo haya sido creado en Chile y desde entonces haya sido analizado por otros países de América Latina (Foto: Miguel Tovar. Bocado)

Desde o início da discussão sobre a criação de um novo sistema de rotulagem frontal, em 2014, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou na mesma mesa pesquisadores em saúde pública, organizações não governamentais e fabricantes de ultraprocessados. O perigo dessa igualdade hierárquica ficou mais e mais evidente ao longo dos anos, quando a Anvisa acabou se posicionando no meio do caminho entre as pressões privadas e a saúde pública. Ao final, tudo indica que o país terá um sistema de rotulagem que não está baseado nas melhores evidências científicas, e que não sabemos se funcionará na prática.

Mas o documento lançado esta semana fala sobre quem conseguiu levar adiante a medida, e não sobre quem falhou na implementação – esse, aliás, seria um ótimo desdobramento, analisando países como Argentina e Brasil. Olhando para Chile, Peru, Uruguai e México, o estudo lista onze estratégias utilizadas para frear, retardar ou enfraquecer a ação do poder público no que diz respeito à rotulagem. 

Não valeria a pena ser exaustivo nas práticas adotadas, que podem ser conferidas em resumo entre as páginas 72 e 75. Destaco aqui alguns dos casos mais interessantes.

  • Na Colômbia, o projeto de lei voltado à adoção do sistema de alertas já está na terceira tentativa de tramitação. Os parlamentares simplesmente não permitem que a proposta avance. O documento mostra como a indústria de bebidas açucaradas se tornou a principal financiadora eleitoral dos maiores partidos políticos.
  • Fale com o presidente. Na Colômbia, destaca o estudo, o acesso da indústria a Ivan Duque foi fundamental. No Uruguai, Luis Lacalle firmou um decreto no qual retarda a adoção dos selos, que deveria ter sido iniciada em março. Acréscimo por minha conta: em 2018, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) acionou diretamente Michel Temer, e conseguiu duas reuniões em dois dias, o que é um feito notável em se tratando de um presidente da República. Na época, Temer ameaçou intervir, o que afeta a autonomia administrativa garantida à Anvisa.
  • No Peru, houve uma tentativa de aprovar uma nova lei, derrubando a adoção de alertas em prol de um sistema mais fraco, de interesse da indústria. A ofensiva foi coordenada por Keiko Fujimori, do partido majoritário Congreso Fuerza Popular, que foi diretamente ao presidente Martin Vizcarra. Uma situação autoexplicativa: se Fujimori é a líder do seu braço de lobby, isso diz muito sobre quem você é. 
  • “Coca-Cola é uma das empresas mais ativas no bloqueio das políticas de saúde que podem afetar os interesses da indústria de comestíveis ultraprocessados e as bebidas açucaradas. No caso do México, é sumamente ativa e suas ações se potencializam em sua aliança com FEMSA, a engarrafadora de Coca-Cola maior no mundo.”
  • O uso de ameaças econômicas é um eixo comum a todos os países analisados. Argumenta-se que a medida viola as regras de livre comércio previstas pela Organização Mundial de Comércio, mesmo que esta já tenha dito que cada país tem autonomia para definir a própria rotulagem. O uso do Mercosul para pressionar o Uruguai é narrado em uma série de vídeos que publicamos em nosso canal no YouTube.

Para além do relato sobre interferências, o documento postula uma agenda concreta para prevenir o problema. E essa é uma das partes mais interessantes, sem dúvida, porque responde à questão inicial: trata-se de um conjunto de medidas que recolocam a indústria no papel de setor regulado, e não de formulador das próprias regras. 

“A falta de controle sobre as atividades de lobby para favorecer o lucro privado, a possibilidade de levar a cabo reuniões a portas fechadas e sem registro, a possibilidade de financiar campanhas políticas, a falta de regulação às portas giratórias, ou a contratação de grandes empresas de advogados com estratégias legais em grande escala contribuem a gerar ambientes propícios para que as más práticas da indústria fiquem na impunidade ou sejam desconhecidas para o grosso da população.” 

O documento apresenta medidas que deveriam ser tomadas por deputados e senadores; ministros, secretários e presidente da República; juízes e promotores, na tentativa de evitar a ação indevida da indústria. Uma das recomendações mais interessantes é a adoção de um protocolo de relacionamento com os fabricantes de ultraprocessados que dê transparência a essa questão. Entre outras, prevê que:

  • ex-funcionários privados que agora ocupam cargos públicos não se envolvam na discussão de medidas de interesse do setor
  • não se compareça a eventos promovidos pela indústria para discutir políticas públicas
  • exista registro escrito de qualquer integração com agentes privados, deixando clara a intenção da conversa

É difícil encontrar, entre as recomendações, um ponto no qual a Anvisa, do Brasil, não tenha falhado. Diretores e integrantes da Gerência-Geral de Alimentos participaram de uma série de eventos promovidos pelo setor privado. Tiveram reuniões a portas fechadas cujo teor só foi revelado porque conseguimos acesso às atas – em uma delas, um ex-diretor acenava com a possibilidade de adotar um sistema de preferência das corporações, algo que nunca havia dito em público. 

Por trás de toda a agenda de recomendações existe um passo simbólico que parece difícil de dar em boa parte dos países da América Latina: desnaturalizar o poder das corporações de moldar a ação do Estado. Vários de nossos governos estão repletos de agentes que migraram diretamente de empresas a cargos estratégicos de interesse do setor para o qual trabalhavam. A lógica de que essas forças privadas são espontaneamente benéficas e de que todos temos de atuar em conjunto para sair do atoleiro está profundamente arraigada em nossas sociedades.  

As batalhas do octógono

As batalhas do octógono

por Kennia Velázquez México
fotos Kennia Velázquez
Publicado em 29 setembro 2020

Nos corredores dos supermercados, selos pretos começam a ser vistos em alguns alimentos. Selos que são adesivos colados, mas também são muito mais, uma marca inocultável. As pessoas olham, analisam. Há espanto e decepção ao ver que seus produtos favoritos têm um, dois, três, quatro octógonos que alertam para o excesso de açúcares, gorduras ou sódio! Rapidamente seu olhar se move para outra parte da prateleira, procurando opções.

A descoberta de conteúdo oculto em alimentos ultraprocessados, os chamados nutrientes críticos, provocou centenas ou talvez milhares de mensagens nas redes sociais. “Esse aviso me fez reagir como se fosse veneno para minha garota (que na verdade é), e eu simplesmente troquei de opções, imediatamente. É fundamental que se advirta para a nocividade dos produtos”, diz um tweet de um pai, acompanhado de imagens de fritura marcadas com o novo padrão de rotulagem frontal adotado para alimentos no México.

E ele não é o único. Pessoas surpreendidas, não só por selos de comida-porcaria, mas por aqueles encontrados em produtos que, antes de terem rótulos, eram considerados saudáveis: barrinhas que geralmente são consumidas como merenda ou amaranto com chocolate, molhos de salada, produtos oferecidos para pessoas com diabetes que não contêm açúcar, mas são ricos em gorduras saturadas. Muitos alimentos que pareciam – ou eram vendidos como – saudáveis agora são marcados com octógonos.

Desde que teve início o confinamento pela pandemia, o subsecretário de Saúde, Hugo López Gatell, realiza conferências de imprensa diárias. Não há dia em que não mencione os efeitos adversos do consumo de ultraprocessados e refrigerantes – que chamou de “veneno engarrafado” – e como eles se relacionam com o novo coronavírus, que já levou à morte de mais de 75.000 mexicanos.

Suas declarações diárias levaram a debates raivosos nas redes sociais; colunistas criticaram a posição do subsecretário, a quem descrevem como “ideológico”. As câmaras empresariais disseram que seus produtos são estigmatizados e pediram que a medida que entrará em vigor em outubro seja restringida. Dizem que os rótulos causarão uma grande crise econômica, e ignoram a crise de saúde que já está no meio de nós. 

Os mexicanos estão discutindo o que comem e bebem. Debatem seu direito de conhecer e o papel do Estado na alimentação, questões que pelo menos até o início de 2020 não pareciam ter relevância, até a chegada tanto da Covid-19 quanto dos selos.

Mas o caminho até aqui não foi fácil. Em 2000, o chamado governo de alternância foi liderado pelo então presidente de direita Vicente Fox, ex-CEO da Coca-Cola, que, agradecido pelo apoio a sua campanha presidencial, retribuiu à corporação, e essa cresceu como nunca. Na administração do ex-presidente Enrique Peña Nieto (2012-2018), a indústria de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas sentou-se na mesma mesa que os altos funcionários. E com isso impediram qualquer medida que abordasse a grave situação de obesidade e doenças crônicas, como um imposto mais forte sobre bebidas de alta caloria ou uma rotulagem clara.

Não só restringiram qualquer regulamentação, como investiram grandes somas no financiamento de “estudos científicos” que fizeram seus produtos parecerem inofensivos, e subsidiaram associações médicas que promovem esses itens, confundindo o consumidor que depende das recomendações de seu nutricionista. 

Eles foram mais longe, muito mais longe. Houve espionagem de ativistas independentes. Embora a participação direta das empresas ainda não tenha sido comprovada, é fato que do Estado e através do software – ou malware – Pegasus se espionou pessoas-chave na luta pelos impostos sobre bebidas açucaradas, em 2014. Luis Manuel Encarnación, então coordenador da coalizão Contrapesos, foi espionado; Alejandro Calvillo, diretor da organização El Poder del Consumidor; e Simón Barquera, do Instituto Nacional de Saúde Pública. Calvillo e Barquera agora enfrentam ataques de associações de refrigerantes por promover os octógonos e falar sobre evidências científicas dos danos causados por tais bebidas.  

Esse aviso me fez reagir como se fosse veneno para minha garota (que na verdade é)

Muitos alimentos que se vendiam como saudáveis agora estão marcados com os selos

Um problema de todos

O México é o maior consumidor de comida-porcaria da América Latina, o primeiro em obesidade infantil (e o segundo em adultos). Esse tipo de produto é encontrado em todos os lugares: na fila de caixas de supermercado, em todas as lojas dos bairros, nas escolas e até nas farmácias. Compre US$ 9 de gasolina e ganhe um saco de lanches”, “Por apenas 50 centavos a mais seu refrigerante cresce duas vezes mais”, são algumas das promoções que nos bombardeiam diariamente. O consumo desses produtos é tão normalizado que é inimaginável ter uma reunião sem ter três ou quatro garrafas de 3 litros de refrigerante e sacos gigantes de fritura.

O México tem um grande problema de alimentação. Agora, a partir de outubro, em teoria, todos os produtos que se encaixarem nos critérios devem ter selos em forma de octógono que alertam para o excesso de açúcar, gordura e sódio, mas também alertam sobre os riscos de crianças comerem produtos com cafeína e adoçantes. Um rótulo mais poderoso que seu antecessor, que começou no Chile em 2016. 

A gravidade do problema fez com que dois estados proibissem a venda de ultraprocessados e bebidas para menores; e a regulação pode se multiplicar em breve porque 17 legislativos locais, de províncias, estão estudando iniciativas semelhantes. Seria um avanço importantíssimo para os defensores da saúde pública, mas colocaria a indústria no mesmo nível de dano que o tabaco e o álcool.

Na América Latina, parece que foi necessário sofrer a pior pandemia da era moderna para que uma parte da população ouvisse avisos que já têm anos de história. Parece que agora, nos tempos de Covid, muitos ouvem o que há anos vêm alertando profissionais de saúde, ativistas e acadêmicos. Parece que só agora entendemos que a má dieta mata.

A Organização Pan-Americana da Saúde há muito alerta que a alta incidência de diabetes, hipertensão e doença renal coloca uma em cada três pessoas no continente – cerca de 186 milhões de latino-americanos – em risco de ficar gravemente doente por Covid-19. Outra grande comorbidade, o excesso de peso, que afeta 8% das crianças menores de 5 anos, 28% adolescentes, 53% dos homens e 61% das mulheres, deve figurar na lista. 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou que 82% das mortes na América Latina e no Caribe foram resultado de doenças cardiovasculares e câncer. Estima-se que existam 41 milhões de adultos com diabetes na região e metade não o conhece e, por isso, não pode ser adequadamente cuidado. Os óbitos atribuíveis aos altos níveis de glicemia aumentaram 8% na região entre 2010 e 2019.

Antes do SARS-CoV-2 colocar os sistemas de saúde do mundo em xeque, previa-se o que causaria o colapso seriam as doenças não transmissíveis. Mas foi a coexistência das pandemias que causou uma urgência ainda maior. 

O Chile foi o primeiro país latino-americano a definir alertas na rotulagem, em 2016. Três anos depois o consumo de bebidas açucaradas foi reduzido em 25%. O Peru foi o segundo. Um estudo indica que 37% dos habitantes de Lima deixaram de consumir produtos com octógonos. Em meio à quarentena, o Instituto Nacional de Defesa da Concorrência e da Proteção da Propriedade Intelectual declarou como barreiras burocráticas ilegais os selos estabelecidos pelo Ministério da Saúde – com um claro dedo da indústria. 

O Uruguai está indo na mesma direção, embora com dificuldades. Os selos deveriam ser adotados em 1º de março, mas a mudança de governo adiou para fevereiro de 2021. Uma das razões é esperar que as normas de rotulagem sejam “harmonizadas” com outros países do Mercosul, embora ativistas denunciem que é uma prática dilatória, porque tais definições podem levar muitos anos.

Argentina e Brasil são dois países que tentam há anos adotar os rótulos. Assim como no Uruguai, a adesão ao Mercosul também serviu de pretexto na Argentina para não discutir a medida. Por que tanto esforço para frear essa decisão? “A rotulagem é uma porta de entrada, uma vez que você tem, você define quais produtos são saudáveis e quais não são”, explica Luciana Castronuovo, coordenadora da Fundação Interamericana do Coração da Argentina. Atualmente no país há 45 iniciativas em discussão em diversas áreas do governo.

O Brasil, um importante ator da região, trabalha há 6 anos no assunto. Lá atrás, também tentou aumentar o imposto sobre bebidas açucaradas, seguindo o exemplo do México, e regulamentar a publicidade, mas “a interferência da indústria impede o progresso sobre o tema”, lamenta Ana Paula Bortoletto, membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Mas ainda tem esperanças: “Que mais países estejam trabalhando nisso pode ajudar a acelerar essas medidas na região, por exemplo, quando a rotulagem entra em vigor no Uruguai, é necessário discutir essas políticas porque isso ajudaria a reduzir as barreiras comerciais, as empresas são as mesmas que trabalham em nossos países.”

 

É uma batalha muito grande para a indústria mundial, se a América Latina adota essa estratégia é algo muito sério para o mundo inteiro

Um projeto de lei com a rotulagem chilena já foi apresentado na Costa Rica. Na República Dominicana, durante a campanha eleitoral, a Aliança pela Alimentação Saudável convocou os candidatos presidenciais a assumir o Compromisso com a Alimentação Saudável, que inclui, entre outras medidas, rotulagem correta. Na Colômbia, a Rede PaPaz pediu ao Estado uma rotulagem frontal e clara de advertência, iniciativa que está sendo analisada pelo Ministério da Saúde. A diretora da organização não governamental, Carolina Piñeiros, vê um interesse crescente dos colombianos em saber o que estão consumindo e há gradualmente mais legisladores que apoiam essas iniciativas. Além disso, a cidade de Bogotá está discutindo a proibição da venda de ultraprocessados e bebidas açucaradas nas escolas.

Como em um jogo de estratégia, a indústria pressiona. No entanto, a América Latina se move. Quando a rotulagem foi implementada no Chile, os fabricantes “pensaram que essa é a exceção, não será a regra”, lembra Enrique Jacoby, ex-vice-ministro da saúde do Peru. E em todos os países onde o assunto foi discutido, eles encontraram resistência. A indústria tem tentado evitar rótulos claros. É por isso que a batalha mexicana é fundamental: “A importância e a expectativa que a região tem com o México é que ela ajude a pender a balança. É uma batalha muito grande para a indústria mundial, se a América Latina adota essa estratégia é algo muito sério para o mundo inteiro.”

E a indústria luta contra tudo: durante o confinamento, aproveitou para comercializar a “doação” de seus produtos, materiais de higiene e equipamentos médicos. Pelo menos cem doações foram contabilizadas apenas no México. Enquanto tentam restringir impostos, rotulagem e quaisquer medidas de saúde, apresentam-se como empresas supostamente comprometidas com a saúde. Mais distópico do que a pandemia em si, as imagens de hoje em dia: Coca-Cola dando refrigerantes para médicos que cuidam de portadores de Covid, em estado grave por sofrer de diabetes, sobrepeso e obesidade.

Mas também há boas notícias de uma frente: as mídias sociais. Porque lá, aparentemente, a indústria está perdendo uma batalha. Até hoje não vi uma única mensagem de alguém lamentando que os selos tenham tirado a venda de seus olhos, e vi muitos comemorando que eles agora serão capazes de exercer seu direito de saber.